sábado, 12 de setembro de 2009

IMAGENS MENTAIS: DAS PAREDES DAS CAVERNAS À CLÍNICA PSICOTERÁPICA

Este meu artigo foi publicado no II CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação, que ocorreu em 2008 em Maringá.


CASELATO, S. IMAGENS MENTAIS: DAS PAREDES DAS CAVERNAS À CLÍNICA PSICOTERÁPICA. In: II CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação, 2008, Maringá. II CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação. Maringá : Clichetec, 2008. p. 601-610.



RESUMO


O interesse pelas imagens mentais esteve presente em todas as etapas do desenvolvimento cultural humano, estendendo-se sobre várias áreas, desde a filosofia, as artes e a religião até a medicina, a agricultura, a meteorologia e mais recentemente o esporte, a publicidade, a informática e a psicologia. Este artigo oferece um panorama da utilização das imagens psíquicas no decorrer da história, do homem das cavernas até os dias de hoje, enfocando especialmente a psicoterapia, - área em que as imagens mentais se fazem presentes em todas as tendências atuais.


Palavras-chave: imagens mentais, imagens psíquicas, imaginação, fantasia, visualização.



1. INTRODUÇÃO


As imagens mentais, sendo recursos da imaginação ou do pensar por imagens, fazem parte dos processos psíquicos do homem, e se manifestam em suas diversas atividades culturais: tanto na arte (literatura, artes visuais e cênicas, arquitetura etc.), na filosofia e na religião quanto na ciência.

Desde o homem das cavernas até recentes pesquisas neurocientíficas as imagens psíquicas têm sido alvo de interesse.

Entretanto, apesar de ser um processo mental básico do ser humano, a visualização foi ignorada pela ciência durante muitos anos.

A partir do surgimento da metodologia científica clássica, no século XVII, que separou a mente do corpo e o sujeito do objeto, os processos subjetivos e a imaginação passaram a ser desvalorizados e relegados ao plano de misticismo ou crença.

O pensamento linear (racional/lógico/empírico) passou a ser mais valorizado em detrimento do pensamento sistêmico (mitológico/simbólico/mágico). (MARIOTTI, 2000).

Esta visão positivista e cartesiana, que foi essencial para o desenvolvimento científico, perdurou até o século XIX, quando a ciência começou a reformular seus paradigmas e o pensamento complexo (que promove a complementaridade dos pensamentos linear e sistêmico) começou a emergir dentro dela própria, trazendo novamente a imaginação ao campo de interesse.

Hoje nos encontramos nesse processo de busca de uma visão de homem e de mundo mais abrangente, em que os pensamentos sistêmico e complexo estão cada vez mais presentes e as técnicas de visualização voltam a ser pesquisadas e utilizadas no campo da ciência nas áreas médica, esportiva, publicitária, de informática e psicoterapêutica.



2. O QUE SÃO IMAGENS MENTAIS


Segundo Houaiss (2002), imagem é a representação ou reprodução mental de uma percepção ou sensação anteriormente experimentada (ex: imagem visual ou olfativa), ou a representação mental de um ser imaginário, ou de um princípio ou abstração (ex: a imagem do demônio, da realeza, do círculo).

Grande parte da literatura científica está predominantemente voltada apenas para as imagens psíquicas visuais. Entretanto, somos capazes de criar representações mentais relativas a todo nosso sistema sensorial, que inclui a percepção de estímulos externos ao nosso corpo (tato, visão, audição, olfato e paladar) e de estímulos do interior do nosso organismo, como a propriocepção e a cinestesia, por exemplo.

Além disso, alguns estudiosos dizem que possuímos a capacidade de produzir imagens mentais de estados afetivos, ou seja, representações imaginárias de uma emoção, por exemplo, quando imaginamos a alegria de alguém ou quando nos lembramos de nossa própria alegria frente a determinada situação (RICHARDSON apud ARCARO, 1997, p. 13).

Imaginar não se refere apenas à capacidade de representar ou reproduzir algo pré-existente, mas envolve também a capacidade de produzir imagens originais a partir da combinação de idéias, emoções e sensações.

Assim, pode-se dizer que as imagens mentais ou psíquicas são representações ou criações mentais que surgem a partir de percepções, emoções ou pensamentos.

Pesquisas neurocientíficas mostram que as imagens mentais fazem parte da formação dos processos de pensamento. Segundo Damásio (1996 apud MENDES, 2007, p. 36-37) nossa capacidade de exibir imagens internas resulta de um conjunto de modificações nos circuitos de neurônios por meio de sinapses, formando representações neurais. A formação de imagens não ocorre em um único local no cérebro e, sim, em sistemas localizados em áreas separadas, mas dentro de uma mesma janela temporal, passando a impressão de sincronicidade. De acordo com Damásio (1996 apud MENDES, 2007, p. 36-37), a atividade entre essas áreas cerebrais e nossa memória de trabalho possibilita a representação das imagens durante certo tempo, permitindo-nos manipulá-las, realizar estratégias e conceitos, e formar o processo que chamamos de pensamento.

Epstein (1989) define a visualização como o processo de pensamento por meio de imagens.

Descobertas científicas também mostram que a natureza das imagens percebidas e das imagens evocadas é a mesma, pois se estabelecem as mesmas conexões neurais. Cada vez mais descobertas mostram a importância da relação entre os processos mentais e o corpo.

Com o avanço das técnicas de neuroimagem foi possível constatar que toda atividade psicológica age em tecido nervoso, alterando o padrão da comunicação sináptica no cérebro (LANDEIRA; CRUZ, 1998 apud MENDES, 2007, p. 36).

Pesquisas sobre estresse, como as de Lazarus (1972 apud STRAUB, 2005), mostram evidências de que a resposta de estresse do corpo é aproximadamente a mesma em situações experimentadas ou imaginadas.

As imagens psíquicas também compõem fenômenos como sonhos, devaneios, memórias sensoriais e de teor emotivo, vivências hipnagógicas e alucinações. Elas são os componentes fundamentais desses fenômenos, mas a maioria deles é composta também por outras experiências psíquicas como o pensamento abstrato (ARCARO, 1997, p. 12).

Na literatura sobre o assunto, os termos imagem mental, imagem psíquica, visualização, mentalização de imagens, fantasia, imaginação e práticas imagéticas referem-se igualmente aos mesmos processos.



3. IMAGENS MENTAIS NO DECORRER DA HISTÓRIA


Nos primórdios da humanidade, supõe-se que o interesse pelas imagens mentais tenha decorrido do fato de estarem relacionadas ao mundo espiritual. Provavelmente, o homem antigo sequer fazia diferenciação clara entre o material e o espiritual, percebendo a realidade como uma mistura de ambos (ARCARO, 1997, p. 14).

Para este mesmo autor, com o passar do tempo as pessoas começaram a vivenciar cada vez menos esse mundo de magia, ficando limitadas à percepção das coisas materiais. Então uma série de práticas místico-religiosas começou a ser desenvolvida, visando retomar o contato com o universo espiritual. Essas práticas apareciam muitas vezes associadas à indução de estados alterados de consciência, como os estados meditativos, de transe alucinatório ou êxtase, em que as imagens psíquicas eram evocadas. Também envolviam a utilização de sonhos e visões espontâneas. As imagens mentais e as sensações que as acompanhavam eram muitas vezes consideradas mais importantes que a própria percepção objetiva, já que a dimensão espiritual era considerada a origem do mundo material.

As idéias dos filósofos herméticos e platônicos (no ocidente) e dos sufis, yogis e budistas (no oriente) mostram que a matéria era considerada a manifestação do espírito central do universo, ao qual se poderia ter acesso meditando e mentalizando imagens. Arcaro (1997, p. 15) acrescenta que no hermetismo, inclusive, afirmava-se que “concentrar-se nessas imagens por certo tempo podia modificar o universo físico, tal era a supremacia que se julgava que elas tinham sobre o universo objetivo”.

Há 30 mil anos os homens das cavernas provavelmente já usavam imagens mentais. Estudiosos consideram que algumas cavernas eram usadas como espaço ritual para contato com o mundo espiritual, onde as pessoas vivenciavam experiências imagéticas e as registravam nas paredes. As paredes serviam como uma espécie de véu entre a realidade objetiva e a espiritual. É provável que as imagens pintadas estivessem envolvidas em práticas mágicas com propósitos como curar doenças, assegurar a fecundidade, promover o sucesso na caça e na guerra etc. (ARCARO, 1997, p. 16).

O xamanismo, que remonta à pré-história e perdura até hoje, foi provavelmente a primeira estrutura mais organizada de administração de assuntos espirituais. O xamã, que assume as funções de sacerdote, médico, psicoterapeuta e adivinho, é capaz de atingir estados alterados de consciência nos quais evoca imagens mentais muito vívidas e sensações incomuns, que são consideradas os principais meios de entrar em contato com deuses e espíritos (ARCARO, 1997).

Várias culturas da antiguidade mantiveram a crença nas causas espirituais dos acontecimentos vividos pelo homem, e também o emprego de práticas imagéticas semelhantes às dos xamãs. Um dos exemplos, em matéria de medicina, pode ser encontrado entre os assírios e babilônios, que utilizavam os sonhos de seus sacerdotes, além da observação do sol e de outros astros, para fins diagnósticos. “O processo de cura envolvia métodos como a incubação de sonhos do paciente, em que este orava e entoava cânticos antes de dormir, para evocar imagens benéficas em sonhos” (ARCARO, 1997, p. 17).

Os egípcios, hindus e gregos antigos também usavam procedimentos médicos similares. No processo de incubação de sonhos, na Grécia antiga, o paciente era levado até a parte mais interna do templo para aguardar sonhos de cura. Os gregos acreditavam que manter na mente a imagem de um deus ou sonhar que ele os estava curando eram situações terapêuticas (ARCARO, 1997). Uma das técnicas utilizadas consistia em, segundo Fanning (1993), logo antes de adormecer, durante o estado de sono hipnagógico, o paciente visualizar o antigo curador Esculápio, fazendo com que as cobras ao redor de seu caduceu deslizassem pelo corpo doente, diagnosticando e curando ao mesmo tempo.

Grandes nomes do início da medicina ocidental, como Hipócrates e Galeno têm importância na história do uso de imagens mentais. Hipócrates (cerca de 460 a 377 a. C.) dizia que tudo que afeta a mente afeta também o corpo, e apontava a importância das emoções e dos pensamentos do paciente em relação a sua saúde e ao sucesso do tratamento. Galeno (cerca de 129 a 200 d. C.), que exerceu profunda influência sobre a medicina medieval, enfatizava que as imagens espontâneas do paciente são relevantes para o diagnóstico. Aristóteles também foi importante para a história da visualização, ao definir todo pensamento como um composto de imagens (FANNING, 1993, p. 293).

Durante a Idade Média, os alquimistas também fizeram uso de imagens mentais. Segundo Jung (1990, p. 290), o conceito de “imaginatio” (imaginação) tem um significado especial no “opus” (obra) alquímico. O processo de imaginação na alquimia não deve ser encarado como fantasioso, mas “como algo corpóreo dotado de um ‘corpus’ sutil de natureza semi-espiritual”. De acordo com Jung (1990), os conteúdos inconscientes dos alquimistas eram projetados na matéria. Para os alquimistas, a matéria era em parte espiritual, em parte física:


[...] a “imaginatio” ou ato de imaginar também é uma atividade física que pode ser encaixada no ciclo das mutações materiais; pode ser causa das mesmas ou então pode ser por elas causada. Deste modo, o alquimista estava numa relação não só com o inconsciente, mas diretamente com a matéria que ele esperava transformar mediante a imaginação. [...] A “imaginatio” é, pois um extrato concentrado das forças vivas do corpo e da alma (JUNG, 1990, p. 290).


Além da utilização para cura e fins religiosos, as imagens mentais foram empregadas no decorrer da história com diversos outros objetivos. No antigo Egito, por exemplo, foram usadas para controlar o clima, para prever o futuro, e em encantamentos relacionados aos mortos. Na Assíria, na Babilônia e na Suméria empregavam-se imagens de fertilidade na forma de deuses ligados a ela, para aumentar a produtividade da terra e a procriação de animais e de pessoas (ARCARO, 1997).

Nas tradições do extremo oriente o homem nunca deixou de ser visto como uma unidade indivisível, ao contrário do que ocorreu no ocidente. O homem é tido como um ser integral e tanto seu aspecto racional quanto irracional são plenamente vividos, e a lógica e a fantasia são ambas consideradas. As tradições voltadas para o contato direto com uma realidade transcendente continuam a ser disseminadas desde a antiguidade até os dias de hoje. Segundo Arcaro (1997), sua influência pode ser percebida em sistemas filosófico-religiosos como o budismo, o zen-budismo, a yoga e o tantrismo. Para este autor, o papel das imagens mentais nesses sistemas é bem ilustrado pelo tantrismo, originado da junção da yoga com idéias do hinduismo, do budismo e de cultos populares aborígines, no qual a visualização é sustentada pela pessoa até que suas forças internas sejam despertadas. Um mestre prescreve determinadas imagens, como mandalas e divindades, que devem ser reproduzidas com perfeita lucidez e autocontrole (ARCARO, 1997, p. 18).

No budismo tibetano, as imagens mentais são utilizadas nas práticas de meditação. Divindades, símbolos, mandalas, imagens da natureza, cores e sons associados ou não a gestos são visualizados para frear os turbilhões de pensamentos, tranqüilizar a mente e despertar a devoção e os sentimentos elevados.

O yoganidra, técnica com imagens mentais utilizada no yoga, é um processo de relaxamento consciente composto de várias etapas e foi compilado de práticas da tradição tântrica (RIBEIRO, 2007).

Chi kung (ou qigong) é um termo de origem chinesa que se refere ao trabalho ou exercício de cultivo da energia. Seus múltiplos exercícios servem para desenvolver a força física, energética, mental e espiritual, com fins terapêuticos – seja para melhorar a saúde do praticante, ou como instrumento para tratar a saúde de outras pessoas. A maioria dos exercícios do chi kung emprega visualizações (principalmente no chi kung taoísta), direção da atenção mental e controle respiratório, e podem ou não ser combinadas com movimentos físicos.

No ocidente e no oriente médio, além do desenvolvimento do pensamento linear-cartesiano em detrimento do pensamento sistêmico, três grandes correntes religiosas se tornaram hegemônicas: o cristianismo, o islamismo e o judaísmo. Nessas religiões a possibilidade de contato com o divino ficou restrita aos seus profetas e/ou santos, o que acabou excluindo o homem comum desse tipo de experiência transcendente (ARCARO, 1997). Apesar disso, as tentativas laicas de contato direto com o mundo espiritual foram preservadas, de maneira mais ou menos clandestina, por exemplo, em seitas esotéricas que se inspiraram em antigas tradições consideradas pagãs, como as druídicas da cultura celta e as das antigas religiões da Grécia e de Roma.


Foi assim que, já nos primeiros séculos da nossa era, surgiu o gnosticismo cristão, em que se continuava a praticar exercícios espirituais imagéticos, como a mentalização de séries de imagens sagradas, sendo a última a de Cristo. Coerentes a tal gnosticismo desenvolveram-se uma multiplicidade de seitas que existem até os dias atuais, caso da rosa-cruz, do kardecismo, da teosofia, da ciência cristã e da antroposofia (ARCARO, 1997, p. 19).


Da mesma forma a cabala, considerada a vertente mística do judaísmo, tem seus adeptos até hoje e também se utiliza de imagens psíquicas. De acordo com Kaplan (1985), um método básico de meditação da cabala consiste em meditar sobre os pensamentos, sentimentos ou imagens que aparecem espontaneamente na mente. Em outra forma de meditação, a pessoa contempla imagens mentais de várias combinações das 22 letras do alfabeto hebraico, que são consideradas a representação de tudo o que existe. Determinadas seqüências de letras são utilizadas para fins específicos como a cura, remover pensamentos negativos, compulsivos ou recorrentes, entre outros.

Na Renascença, as atividades do médico e alquimista Paracelso, no século XVI, também estiveram ligadas ao uso de imagens mentais. Arcaro (1997, p. 19) afirma que “ao mesmo tempo em que seu trabalho inovador levou-o a ser considerado o pai das modernas farmacologia e medicina científicas, ele manteve a crença de que fatores espirituais e a imaginação estavam associados à doença e à cura”. Paracelso dizia que “o espírito é o mestre, a imaginação a ferramenta e o corpo o material moldável” (ARCARO, 1997, p. 19). Ou seja, para ele a realidade espiritual precede e fundamenta a realidade material.

Após Paracelso, o pensamento científico foi progressivamente ganhando força e durante trezentos anos a medicina ocidental separou o corpo da mente. De acordo com Epstein (1989), nenhum outro sistema médico na história do mundo faz essa distinção, incluindo a medicina ocidental anterior ao século XVII.

Do século XVII ao XIX o pensamento dicotômico e linear foi se desenvolvendo e ganhando cada vez mais espaço na ciência. O estudo científico do corpo foi reservado à medicina e o estudo (não científico) da mente, relegado à religião e à filosofia.

Mas a partir do final do séc. XIX, os pensamentos sistêmico e complexo começaram a se expandir. As conexões entre corpo e mente começaram novamente a ser exploradas pela psicologia comportamental, pela medicina psicossomática, pela psiconeuroimunologia e pela psico-oncologia, por exemplo.

Atualmente as imagens psíquicas são cada vez mais utilizadas em diversas áreas desvinculadas do espiritualismo, como a medicina, o esporte, a publicidade, a informática e a robótica. As imagens mentais fazem parte das pesquisas da neurociência e estão presentes, de uma forma ou de outra, em todas as linhas de psicoterapia.

No âmbito da medicina, as imagens são utilizadas no combate ao câncer, no controle da dor, na oftalmologia, no parto e na anestesia, no tratamento de alergias, infecções, desordens auto-imunes como a esclerose múltipla, artrite reumatóide etc.

O treinamento autógeno de Schultz, desenvolvido na década de 1920, por exemplo, é um tipo de intervenção bastante difundido e pesquisado, em associação com estratégias médicas tradicionais para o tratamento de diversos problemas como os de coluna, cardíacos, ginecológicos, gástricos etc. O treinamento autógeno consiste em uma série de frases elaboradas com a finalidade de induzir no sujeito estados de relaxamento através de auto-sugestões. A imaginação é utilizada no decorrer do processo, para, por exemplo, visualizar imagens de calor e peso em cada parte do corpo (VERA; VILA, 2002, p. 161).

Na psico-oncologia é bastante utilizado o Método Simonton, desenvolvido para pacientes com câncer, que consiste em um número de nove sessões, com exercícios de relaxamento, afirmações positivas, visualizações, exercícios físicos e outras técnicas específicas (TABONE, s. d., p. 140). Os pacientes são incentivados a exercitar as técnicas de relaxamento e visualização três vezes ao dia durante 15 minutos.

As imagens mentais também podem ser utilizadas para tratamento de diversas perturbações orgânicas, conforme se vê em Epstein (1989), que descreve vários exercícios simples e autoministráveis para lidar com problemas dermatológicos, circulatórios, digestivos, endócrino-metabólicos etc.

A imaginação também é empregada na hipnoterapia para a eliminação de problemas, hábitos ou transtornos não desejados. O uso da imaginação aparece muitas vezes no “aprofundamento” após o relaxamento e a indução da hipnose, e no retorno do transe hipnótico.

A prática mental tem sido bastante utilizada pela psicologia esportiva especialmente para melhorar a motivação e o desempenho em esportes de alto rendimento. Também tem sido usada para reduzir a dor em processos de cura e para limitar a perda de força e mobilidade em atletas imobilizados (NEWSON; KNIGHT; BALNEV, 2003 apud UTAY; MILLER, 2006).

As imagens psíquicas também são utilizadas na área do aperfeiçoamento da capacidade de memorização, já que as coisas são mais facilmente recordadas quando associadas a imagens, tanto exteriores como mentais (ARCARO, 1997).

Nas estratégias de publicidade, Alesandrini e Sheikh (1983 apud ARCARO, 1997, p. 21), defendem o uso de métodos para eliciar imagens mentais como forma de aumentar as chances de que o consumidor se lembre dos produtos e serviços divulgados pelas propagandas.

Na área da informática e da robótica, em 2007, pesquisas sobre interfaces cérebro-máquina-cérebro possibilitaram que um macaco controlasse um cursor de computador através de sua atividade cerebral (NICOLELIS, 2008). No Japão foi desenvolvido um dispositivo semelhante a um capacete com eletrodos implantados que analisa as ondas cerebrais da parte responsável pelas funções motoras do córtex cerebral e possibilita que o indivíduo mova um personagem virtual no “Second Life”, na internet, apenas imaginando seu movimento (E-educador, 2007).

Nos Estados Unidos, a realidade virtual tem sido usada pela psicoterapia como complemento ou em substituição às técnicas de visualização, principalmente para tratar transtornos de ansiedade (VIRTUALLY Better, 2008).


4. IMAGENS MENTAIS NA PSICOTERAPIA


A discussão sobre a natureza das imagens mentais ocorre desde os primórdios da psicologia, e nas últimas décadas vem ganhando destaque em todas as abordagens, com crescente importância no contexto clínico.

Quando a psicologia passou a estudar também as questões subjetivas, internas, que no início não eram consideradas, abriu-se espaço para a dimensão simbólica/subjetiva e para os pensamentos sistêmico e complexo, e não somente linear/racional.

Segundo Sant’Anna (2005), a investigação das imagens psíquicas é de fundamental importância para a psicologia moderna. Hoje em dia as questões referentes às imagens mentais são cada vez mais discutidas e pode-se dizer que todas as tendências terapêuticas atuais fazem uso, mais ou menos consciente, de uma abordagem clínica que inclui o trabalho com imagens. Além disso, de modo geral, as abordagens já não atribuem mais às imagens psíquicas um sentido regressivo, patológico ou perturbador, e a atitude interpretativa, reducionista e despotencializante é substituída por uma atitude não interpretativa, amplificadora e potencializadora.

O trabalho com imagens mentais traz diversas contribuições ao processo psicoterapêutico. Proporciona, além da compreensão racional, a vivência das questões trabalhadas na psicoterapia, possibilitando resultados efetivos com relação à melhoria da qualidade de vida, resolução de conflitos, compreensão e mudanças nos comportamentos, sentimentos, pensamentos e processos subjetivos, contribuindo enormemente para que os objetivos da psicoterapia sejam alcançados. As imagens psíquicas são recurso eficiente tanto para acessar aspectos profundos do mundo interior, quanto para incentivar a criatividade no enfrentamento de problemas.

Podem-se classificar três diferentes tendências quanto ao uso das imagens mentais na psicoterapia: uma enfoca mais a razão, outra os símbolos que surgem no decorrer da imaginação, e outra a vivência das imagens.

As terapias que enfatizam mais a razão se concentram na relação entre imagens e reações emocionais e as utilizam para modificar comportamentos, pensamentos e emoções, e para a compreensão das distorções perceptivas e emocionais do paciente. As imagens são normalmente representações de situações de vigília, previamente programadas, altamente eficientes e específicas, nítidas e controláveis, e conduzidas pelo terapeuta. A ênfase se dá nos processos reflexivos, priorizando o pensamento linear (racional/lógico/empírico) e a objetividade. As psicoterapias comportamentais e cognitivas são exemplos desta tendência no trabalho com imagens.

As terapias que priorizam os símbolos e sua interpretação enfatizam a produção de imagens profundas e as utilizam para a transformação psíquica do paciente. A condução por parte do terapeuta é mínima e a criação espontânea de imagens por parte do indivíduo é incentivada. São enfatizadas as imagens receptivas, não programadas, que surgem por meio de fantasias ou sonhos, que não são inventadas, mas convidadas a aparecer, e podem ter caráter pessoal ou transpessoal (conteúdos arquetípicos). A ênfase se dá nos processos irracionais, e na conexão emocional com as imagens, priorizando a dimensão mitológica/simbólica/mágica da mente humana, o pensamento sistêmico e a subjetividade. As terapias com base psicanalítica e junguiana são exemplos desta tendência que evidencia os símbolos presentes nas imagens como mediadores da relação com estas.

Já as terapias que priorizam a vivência mesclam a produção de imagens profundas, não programadas e espontâneas com imagens de vigília previamente programadas e dirigidas pelo terapeuta. A vivência das imagens é enfatizada, considerando que por si só ela é capaz de promover transformações gerais no cliente, sem a necessidade de interpretação das imagens. Tanto o pensamento linear quanto o sistêmico são considerados. As abordagens psicoterapêuticas fenomenológicas e humanistas são exemplos desta tendência no trabalho com imagens.

Porém, ao trabalhar com imagens, as diferentes abordagens psicoterápicas não se fixam necessariamente em somente uma destas tendências. É importante enfatizar que a simples utilização de imagens psíquicas na psicoterapia promove a integração dos pensamentos linear e sistêmico, já que o pensamento por imagens é não-lógico, não-linear e não-verbal, mesmo quando se objetiva o entendimento racional.

Outros aspectos quanto à utilização de imagens na psicoterapia ainda podem ser considerados.

O terapeuta deve estar bem treinado na aplicação das técnicas, e elas devem ser adequadas a cada paciente individualmente.

As diferentes abordagens costumam recorrer a técnicas imagéticas desenvolvidas por outras linhas, mantendo, porém, seu próprio enfoque concordante com sua fundamentação teórica e pressupostos epistemológicos.

As técnicas podem ser precedidas por exercícios de relaxamento e controle da respiração, mas isso não é necessário. Em algumas linhas, como a gestalterapia e a terapia junguiana, por exemplo, a imaginação pode inclusive ser realizada em movimento, enquanto o indivíduo confere uma forma à imagem (através do desenho, da dança, encenação etc.). Várias terapias associam a visualização a outros recursos que facilitam a expressão e a objetivação da imagem, como desenhos, pinturas, escrita espontânea, jogo de areia e exercícios corporais de imaginação. As técnicas com imagens também podem ser aplicadas em grupo ou individualmente de acordo com a abordagem, e podem ser realizadas como tarefa de casa.

Existem certas precauções ou contra-indicações na aplicação de técnicas com imagens mentais. Todas as tendências psicoterápicas consideram que não se devem utilizar técnicas de imaginação com pacientes que não se sentem confortáveis com elas. As abordagens que utilizam imagens mais profundas acrescentam a necessidade de usar com cautela esse tipo de imagem nos casos em que a pessoa se perde facilmente no reino da fantasia.

Por fim, é importante acrescentar que todas as técnicas com imagens psíquicas utilizadas pelas diferentes abordagens psicoterápicas apresentam antecedentes históricos milenares que se assemelham a elas. Conforme foi visto, há muito tempo tradições ocidentais e orientais como a alquimia, o xamanismo, o zen-budismo, a yoga, o tantrismo, o chi kung, a cabala e tradições da Grécia antiga utilizaram imagens mentais antes que essas técnicas fossem retomadas ou adaptadas à psicologia moderna.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Este artigo buscou oferecer um quadro panorâmico da utilização de imagens mentais no decorrer da história e na psicologia em geral.

Hoje o modelo de ciência positivista, que estabelece um distanciamento entre sujeito e objeto e compreende os fenômenos sob uma ótica fragmentadora e reducionista, vem sendo substituído por um novo paradigma mais abrangente.

O uso cada vez maior de imagens mentais em diferentes áreas científicas do conhecimento atesta este momento de mudança e mostra que as imagens têm sido reconhecidas como parte importante dos processos psíquicos humanos.

Na psicoterapia, a utilização de imagens possibilita a integração dos pensamentos linear (racional/objetivo) e sistêmico (simbólico/subjetivo), já que o pensamento por imagens, como vimos, é não-lógico, não-linear, não-verbal, mesmo quando se objetiva o entendimento racional.

Porém, o tema está praticamente ausente da própria estruturação das teorias psicológicas e dos programas de graduação em psicologia, seja do ponto de vista teórico (estudo da teoria da imagem), quanto do ponto de vista prático (treinamento do psicólogo no campo das imagens) (SANT’ANNA, 2005).

Assim, o presente trabalho também pretendeu contribuir para trazer para o ambiente acadêmico o debate sobre o assunto.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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